Palavras, ditas vivas, sentimentos, vivos tambem, um pouco de mim, aqui, para ti que lês, que vês, assim....
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Sexta-feira, 7 de Outubro de 2005
Sombras
Numa quase sombra, debaixo de uma arcada de pedra talhada, lá estava aquela figura.
Dobrada, olhar no chão, maltrapilha, a mão estendida, a coluna dobrada, pela fome, pela tristeza, até pela indignidade a que se votara ou a que fora votada.
Não cantava, não fazia de estátua, não tinha preceitos especiais, apenas estendia a mão à caridade alheia.
Quando passava por esta figura, talvez por me ter distraído a olhá-la, tropecei numa pedra saliente e estatelei-me ao comprido. Ainda mal refeito da queda deparei com um rosto aflito, o senhor magoou-se? perguntou-me no meio de um esforço para me ajudar a levantar.
Não pude deixar de reparar na magreza, nas poucas carnes que cobriam as mãos ossudas, nos olhos bonitos onde, em tempos, terá bailado um sorriso. Não pude deixar de notar a desigualdade corporal, entre aquela pessoa e eu, sem que, no entanto, tal tenha sido motivo para que não me auxiliasse.
Quando, já refeito, lhe agradeci, de mão esticada, espantou-se com a afabilidade do meu gesto como se não fosse digna de tal, olhou-me tímida e esticou-me a mão, quase receosa, incrédula até.
Tentei perceber o porquê de ali estar, se haveria como a ajudar, respondeu-me que era a vida, correu-me mal, sabe ?!, fiquei ali, sem palavras, impotente, perante o curso daquela vida, depois disse-me que lhe tinha dado uma alegria, apertar-lhe a mão, um senhor de fato, era uma coisa de que já não se lembrava.
No fundo de tanta tristeza viu-se uma mulher, viu-se um ser a quem um simples aperto de mão aqueceu o coração.
É tão fácil darmos um calor à vida alheia, não precisamos de caír na va pública, basta que estendamos a mão num gesto de amizade.