Palavras, ditas vivas, sentimentos, vivos tambem, um pouco de mim, aqui, para ti que lês, que vês, assim....
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Sexta-feira, 30 de Setembro de 2005
Mar salgado
Ontem o mar deste Portugal ficou mais cheio de sal, das lágrimas de gente que perdeu, da tristeza de se saber que mais gente nele morreu.
Ontem mais dois homens partiram para sempre, perderam a vida na faina, recolhiam a rede, cheia de robalo. Uma volta de mar, como soi dizer-se, voltou o barco e lançou à água 5 homens, dois morreram, os outros três salvaram-se.
No jornal local saíu a foto do mestre, aclamado o seu profundo sentido religioso, que, desta volta, de nada lhe valeu. Onde estaria o Pai, porque não lhe deitou a mão, porque o deixou morrer? Deixou mulher, filhos, irmão (um dos três sobreviventes), amigos, muitos, que o respeitavam, enquanto homem e mestre.
Na terra deixa a saudade de homem de trabalho, homem do mar, esse mar que lhe enchia as redes e ontem lhe vazou a vida.
Conhecia-o, habituei-me a vê-lo chegar e partir, a ele e a tantos, que partem para o mar, todos os dias, em busca da vida.
Uma vez mais, ...quanto do teu sal são lágrimas de Portugal..
Segunda-feira, 26 de Setembro de 2005
Ser
Cada vez que olho para o que já escrevi,
Cada vez que lembro o que já vivi,
Cada vez que sorrio com o que já sorri,
O que já chorei, o muito que já senti,
Cada uma dessas vezes em que olho para trás,
E vejo o que já passou, o que não volta mais,
Aí, sinto que há ainda muito para viver,
Muito para sorrir, para estar, para ser,
Sinto que, ainda um dia, vou olhar para trás,
E dizer, eu sei como é, eu vivi, eu amei,
Eu sorri, sim, eu fiz de tudo para viver.
Nesse dia, quando fizer um balanço,
Quando recordar e reviver todos os momentos,
Os bons, os maus e os outros, tantos e tantos,
Nesse dia, estarei acabado, talvez até finado,
Mas estarei vivo também, terei feito uma mãe,
Terei deixado um filho, uma árvore, um amor,
Serei poeta, doutor, apenas e só um senhor,
Serei um tudo e um nada, vindo do quase nada,
A caminho do quase tudo, serei um viajante,
Mais um dos que partem para outras paragens,
Deixarei saudade, levarei muitas também,
Mas, embora partindo aqui continuarei,
Nestas palavras, neste dizer, aqui, neste meu Ser.
Sexta-feira, 16 de Setembro de 2005
"Amor de rapaz"
Certezas fazem-se de dúvidas esclarecidas, de tristezas exauridas, alegradas por sorrisos, por gargalhadas, por gestos de amor.
Sobram-me poucas certezas na vida, dúvidas também poucas.
Tenho uma certeza nova, perdi mais um amigo, um tio, aquele tio, aquele que nos comprou o chupa de catraio, nos ensinou a voar, a sonhar, a lançar um papagaio.
Esse mesmo que nos falou da vida, da alegria, do futebol, da praia, do amor, do Sol, que nos falou de tudo um pouco, que nos ensinou a ser um pouco louco.
O Afonso partiu, deixou amigos, família, gente que o ama, ainda que apartado, gente que continua a acreditar que viver e morrer não é pecado.
Tio, um beijo, do teu sobrinho, estás sempre aqui, com o teu jeito especial, aquela forma desigual, de ser homem, de ser gente, tu é-lo realmente.
Até um dia destes.
Quinta-feira, 8 de Setembro de 2005
Olhando á volta
Olhando à volta, para esta aldeia a que chamamos Mundo, vemos muitos exemplos de desgraça, de aflição, de dor. A pobreza, a devastação, hoje o furacão, ontem o tsunami, morte, violação, tortura, terror, um nunca mais acabar de violência.
No entanto, aquieto-me com a simples lembrança de uma passagem da minha vida, uma lição de grandeza, de amor, de dignidade. Quando meu avô faleceu, minha avó, à época já muito afectada por doença terrível, doença que lhe roubou a lucidez, o discernimento, nesse dia parecia ter voltado a ser aquela Senhora de sempre.
Nesse dia, a Carmela*, do alto do seu 1,50 mt, caneja, sentou-se junto ao marido falecido, chorou baixinho, recebeu como só uma Senhora sabe, aquietou os choros alheios, apascentou os corações doridos, soube ser quem sempre fora, deu uma lição de grandeza, de amor.
Por fim, quando o inevitável partir aconteceu, despediu-se, com um beijo, do seu querido, do seu amor de sempre, parecendo lampejar-lhe no olhar o brilho do primeiro dia. Ainda lhe fez uma última declaração de amor, baixinho, numa intimidade inenarrável que só o amor pode explicar.
A Dª Carmen também já partiu, morreu no dia em que o seu querido partiu, foi definhando, mas, continua a estar bem presente em mim como símbolo, como ícone de uma grandeza e aprumo ao qual me agarro, qual tábua, e, a quem hoje homenageio, deixando estas humildes palavras aqui, para vocês.
Um beijo, vó.
* Carmela era o nome que o meu avô usava para tratar a minha avó, de seu nome Carmen.
Quinta-feira, 1 de Setembro de 2005
Conversa da treta
Sei que vos parecerá meio estranho, mas, vamos reflectir um pouco sobre o ser-se mentiroso.
Se perguntar a alguém se é mentiroso afiguram-se várias hipóteses de resposta:
1. É mentiroso (que se saiba)
Se responde que sim, importa pensar se mentiu, dizendo que o era, logo se o não era passou a sê-lo, se o era e o afirmou será que não estava mentindo?
Se responde que não, importa pensar que mentindo sobre a condição de mentiroso, é mentiroso doutorado, não pode -mentindo- negar-se a mentir.
2. Não é mentiroso (que se saiba)
Se responde que sim, nega a condição inicial de o não ser e passa para a rúbrica anterior
Se responde que não, a rapazida finge que acredita e, até mais ver, vai acreditando.
Mas agora pode-se interpretar a questão de outra forma, quem pergunta quer saber a resposta ou já a formulou e apenas espera uma confirmação ou um tópico de análise?
Já agora, quem pergunta tem moral irrepreensível que lhe permite aquilatar do quão mentiroso é o interrogado?
Estas coisas da verdade e da mentira permitem infindáveis questões, pontos de vista, aguçam o engenho e a arte de tantos e tantos mentirosos e seus pares. Afinal onde se situa a verdade e a mentira?
1. Verdade: Um dia hei-de morrer.
2. Mentira: Nunca vou morrer.
Tudo o resto é treta ou será que não, que é verdade ? Adoro questionar-me, só não sei se me minta ou não (risos).